tem, mas acabou #11 | durma enquanto eles trabalham
já passou muito da hora da gente subverter a "ordem natural" das coisas para ter a chance de ter mais vida para além do trabalho
aconteceu. perdi a noção do tempo e achei que tinha mais um dia antes da sexta-feira, por isso, a news só está chegando hoje, em pleno sábado.
talvez não seja a melhor coisa porque à medida que a tem, mas acabou cresce em inscrições, perde em engajamento. talvez não impacte em nada. e talvez, por algum motivo, tenha um resultado positivo.
divagações à parte, queria falar sobre as enchentes no sul do país, mas deixar o tema mais pra frente vai ser bom por dois motivos: me ajudar a ter mais clareza do que eu gostaria de compartilhar e lembrar você de tudo isso quando o "hype" passar.
🔎 a news de hoje é sobre:
a desigualdade enquanto entretenimento
o real poder da caridade
o póbi do proletariado
(não necessariamente nessa ordem)
pra edição de ontem hoje, evoquei figuras como luciano huck e ana hickmann e a culpa é pura e simplesmente das viagens que minha mente faz quando chapadinha de sono antes das 20h.

à noite, quando ainda é cedo, mas já estou cansada (suspeito que tenha relação com o tratamento da enxaqueca crônica), eu assisto TV. escolho um canal tipo TLC ou discovery para me distrair até umas 21h30, pelo menos.
não sei bem dizer o porquê, mas quase nada que eu escolha assistir em algum streaming nessas condições funciona ― não consigo prestar tanta atenção ou sinto que é coisa demais pra minha cabeça.
bom, recentemente, assisti a alguns episódios de undercover boss. pode ser que você já conheça o programa ou tenha visto sua versão brasileira exibida como quadro do fantástico, chefe secreto, em 2015.
confesso que, lá atrás, conseguia achar esse tipo de experimento bem legal. afinal, pode ser interessante que alguém do alto escalão de uma empresa se disfarce para viver o chão de fábrica, conhecer a prática dos processos de trabalho e quem faz tudo acontecer.
há anos, escrevo sobre o universo do RH e gestão de pessoas, e entendo que várias das ideias que as lideranças podem ter, por mais bonitas que sejam, não são adequadas. uma das melhores formas de entender isso e definir estratégias melhores é estando em contato com quem carrega o negócio nas costas no dia a dia.
o que me incomoda muito é, talvez, o momento que mais faz sucesso nesse tipo de entretenimento: quando a chefia se dá conta de que a vida das pessoas que contratou é miserável e decide fazer caridade.
já ouviu dizer que a elite gosta de caridade, mas é contra justiça social? caridade é boa pro ego e, ainda enquanto ajuda pontual bem-vinda, não resolve o problema de quem necessita de algum suporte.
muita gente escolhe fazer caridade para se sentir bem, para se apresentar enquanto boa pessoa, mas condena ações de justiça social porque entende como ameaça a possibilidade de que pessoas pobres deixem de ser pobres.
essa remota possibilidade comprometeria a dinâmica do sistema que as meninas cantavam em 1999, com xibom bombom, em que o rico, cada vez fica mais rico, e o pobre cada vez fica mais pobre. além disso, tiraria dos "caridosos" a chance de usar a caridade a seu favor.
tô dizendo que não pode fazer caridade? não tô, né, por favor! só sugerindo que se faça caridade sem se opor à ações de justiça social adotadas por organizações globais, governos (de esquerda) e integrantes da sociedade civil.
agora, deixa eu te contar sobre o último episódio de undercover boss que vi e porque a postura da maioria das lideranças me irrita.
a CEO se disfarçou e foi passar um tempo com pessoas que trabalham em diferentes setores da empresa, como se tivesse sido recém-contratada.
se surpreendeu com o domínio técnico da funcionária que a treinou e com o hack que um funcionário criou para fazer "compras falsas" no sistema e conseguir repor seu estoque (já que os processos definidos pela empresa não davam conta disso).
ao final de tudo, todas as pessoas que participaram do experimento sem saber são convidadas para uma reunião com a CEO que, sem o disfarce, revela quem é e comenta sobre tudo que ocorreu.
a funcionária com domínio técnico recebeu uma grana e foi convidada a participar do desenvolvimento de um treinamento para todo mundo da empresa. e recebeu o direito de tirar quinze dias de férias remuneradas (algo não muito comum nos EUA) e 15 mil dinheiros para estar junto com o sobrinho pequeno que tem uma doença terminal.
essa pessoa já estava vivendo essa angústia há muito tempo, mas não conseguia viajar para ficar junto da família porque… precisa viver para trabalhar.
o funcionário que inventou o hack para repor estoque ouviu que despertou a atenção da alta-gestão para um problema que precisa ser corrigido e também ganhou uma grana para ajudar a melhorar o processo de gestão.
esse cara relatou trabalhar até 70h por semana ― o que pode ser 10h por dia, de segunda a domingo ou 14h por dia, de segunda a sexta, por exemplo. com mais de um emprego e uma rotina excessiva, não conseguia estar presente na vida de sua filha (ou filhas, não me recordo bem).
por isso, a CEO decidiu contratá-lo em tempo integral para que tenha uma vida menos corrida, mantendo-se em um único emprego com acréscimo de 20 mil dinheiros na sua remuneração anual.
em programas assim ― o que inclui o do "ajuda luciano" ― a gente vê uma ação possivelmente intencionada para o bem que pode mudar a vida de algumas pessoas, pode inspirar reflexões e ações mais profundas, mas que não resolve o problema à nível de estrutura.
a ajuda não é o problema, mas sua espetacularização, sim. por mais emocionante que seja (e eu me incluo no grupo de pessoas que tende a chorar vendo qualquer coisa do tipo), é algo que mantém o verdadeiro poder da caridade no ego de quem ajuda.
para piorar, faz muita gente crer que precisamos da galera endinheirada para que essas caridades sigam ocorrendo ao invés de entenderem que o acúmulo desse dinheiro na mão de uma minoria é a causa de tanta desigualdade.
faço ainda dois adendos:
_ganha uma grana extra quem está, de fato, vivendo para trabalhar. puro suco do sucesso meritocrático a partir de um esforço comumente desmedido;
_a alta liderança precisa mesmo de um mergulho midiático até o chão de fábrica para entender que tem gente dentro de suas empresas vivendo em situações delicadas de grana, saúde mental e afins?
conheço bem de perto uma pessoa que vive em uma habitação irregular minúscula enquanto seus chefes, que sabem dessa situação, se "refugiam" da realidade em condomínios de alto luxo (sem pagar corretamente pela hora extra).
um grande abraço pra você, póbi proletariado.
tem pra hoje
sdds orkut 🥲
uma das minhas comunidades favoritas do finado-e-para-sempre-amado orkut era a ajuda luciano, que zombava da postura de robin hood da shopee que, inclusive, é uma ilusão alimentada por universos fantasiosos em que um único herói salva todo mundo.
para ver mais 📲
liz fosslien é especialista em "fazer o trabalho ser melhor". adoro suas ilustrações sobre o tema, embora a considere totalmente vanilla e moderada demais, rs.
todo poder emana da voz do eddie 🎤
quantas vezes você já viu este vídeo?
― sim.
faz semanas que estou vendo e revendo eddie vedder cantando black, sem microfone, em 1991.
pra você, xuxa 💋
(eu só trouxe referência velha hoje, né!)
quis dedicar essa edição à minha sis, Maluzita, que recentemente veio dizer o quanto gosta da news, pedir que eu não pare de escrever e avisar que recomendou a leitura pra sua galera no trampo.
acabou (ou quase)
gostou ou sentiu qualquer outra coisa que te deixou com vontade de comentar, me escreve 😄 e se você gostou muito e quiser recomendar para alguém, não pense duas vezes: só vai!
Me parece que você colocou num programa "pra não pensar muito" e acabou pensando pra caramba!!! hehehe... Tão eu! Também gosto de assistir esses programas, só que vai me crescendo uma raiva que acaba sendo maior que a distração!
Também me sinto assim assistindo reality shows: vou assistir aqui um negocinho bobo pra relaxar e termino cada episódio indignada com uma situação diferente. Lari, adoro suas reflexões e amo realities kkkkkkkk