tem, mas acabou #6 | abra este baú
uma miscelânea de coisas que guardei para o dia internacional da mulher e vou dividir sem pretensão de ser fofa neste #8M
amo flores, aceito chocolate 70%. tô passando os parabéns (acho que só recebo de bom grado quando vem do senhor meu pai) e o que eu queria mesmo era derrubar o patriarcado.
ainda em dezembro, escolhi um post de instagram que poderia inspirar a edição de tem, mas acabou que cairia justamente no dia internacional das mulheres. é um post que não diz absolutamente nada de novo, mas segue mais amargo que minha preferência por chocolate: 100% relevante.
foi isso que me trouxe a ideia do baú; porque me sinto prestes a compartilhar problemas antigos que, embora saibamos que existem, seguem significativamente ignorados, como lembranças velhas em uma caixa de madeira coberta de poeira.
🔎 a news de hoje é sobre:
o tempo em que eu quis ser menino
porque não existem mulheres livres
e porque seguimos sendo pobres criaturas
mas hoje o que mais me orgulha é ser mulher
quando e por que eu quis ser um menino? ainda não consigo responder a essas questões com clareza, mas talvez a análise ajude (sim, comecei!). contudo, eu lembro de algumas coisas.
era alguma fase ― ou fases ― da minha infância e foi por isso que eu disse menino e não homem; eu não pensava em deter o perigoso poder que homens feitos detém, sobretudo os brancos e/ou ricos. ou os jogadores de futebol.
assistia a um filme chamado os três ninjas ― uma aventura radical (1992), sonhava em ser o rocky e tive o colt como um dos meus amigos imaginários por anos. eu sempre fui muito atraída por um universo dito masculino.
sempre ouvi que não existiam mulheres ninjas e demorou demais para que eu soubesse da existência das nna-muscha (samurais) e das kunoichi (ninjas). nunca ganhei carrinhos de presente, ainda que tenha pedido, e nem sempre era "autorizada" a brincar com os carrinhos dos meus primos.
fiz uma mini-micro-nano revolução na escola quando "lutei" para deixar de fazer educação física com as outras meninas porque eu não gostava de volêi e a maioria delas não praticava outros esportes e nem tinha interesse em ficar suadas e (talvez) fedidas.
quando consegui e levei algumas colegas comigo, ficamos um tempo sendo esnobadas pelos meninos, mas não demorou para que eles começassem a brigar porque nos queriam em seus times. eu era cestinha de três pontos e sonhava em ser… kobe bryant, jogando ao lado de shaquille o'neal.
nunca existiu uma questão de gênero para mim; sempre teve a ver com liberdade e poder. eu sabia que meninos se divertiam mais, recebiam permissões a mais e eram autorizados a fazer e ser mais. meninas, não. pelo contrário.
daí você pode dizer que isso mudou e, em certa medida, serei obrigada a concordar. mas saiba que estou concordando bem pouco. do alto do meu privilégio enquanto mulher branca de classe média, ainda tenho pesadelos acordada, diariamente, por causa da minha “condição”.
que condição? a de ter nascido mulher. vou deixar para você um trecho de um vídeo que explica um pouquinho sobre isso trazendo um acontecimento muito real e ainda muito recente para ilustrar o todo: para mulheres, o que se sente como estupr0, para homens, se justifica como farra.
“Não se nasce mulher, torna-se mulher”.
― Simone de Beauvoir
demorei para interpretar essa frase de uma forma que fizesse sentindo para mim e para a forma que me posiciono enquanto feminista. mas os problemas escondidos no baú me trouxeram clareza junto com a vivência, com as violências que amigas próximas viveram, com as manchetes de todos os dias.
mulheres não são seres frágeis e menos capazes que precisam ser dominadas por homens para que não percam controle de suas vidas. isso não faz parte da nossa natureza ou da nossa essência. isso é resultado de escolha ― mas não uma escolha livre e, sim, imposta de-forma-não-muito-sutil.
a sociedade que há tempos nos sugere delicadeza, submissão e entender que cabe a nós fazer o que for preciso para conseguir um casamento e manter o marido feliz é a justamente a sociedade que nos direciona a "escolher" algo que constantemente nos machuca, sem contestar.
essa sociedade é uma sociedade dos homens, feita por eles e para eles, e que muda pouco por falta de vontade genuína deles. aviso: não perca seu tempo me dizendo que isso não é verdade porque eu não vou perder o meu tempo respondendo você.
as escolhas que me foram apresentadas como possíveis são diferentes daquelas que foram apresentadas a mulheres não-brancas, periféricas e/ou pobres. também foram bem diferentes das apresentadas a mulheres em outras partes do mundo.

"Eu não sou livre enquanto alguma mulher não o for, mesmo quando as correntes dela forem muito diferentes das minhas".
― Audre Lorde
minha revolta com a falta de liberdade de mulheres brasil e mundo afora é abrangente e considera até aquelas que, por ignorância ou ideologia (??), não se consideram feministas e "abominam" o feminismo por acreditarem que o movimento fere seu direito de ser bela, recatada e do lar. (entenderam errado, voltem cinco casas).
neste 8 de março, em especial, meu grito mais alto por liberdade vai para as mulheres palestinas, personificadas na figura de rawan, que conheci recentemente.
nos falamos brevente quando soube de seu crowdfunding para juntar dinheiro para que ela e sua mãe — a única família que lhe restou após sua casa ter sido bombardeada — consigam deixar gaza em segurança o quanto antes.
rawan não tem sequer a liberdade de viver onde gostaria, em uma terra que é sua por direito. que dirá qualquer outra coisa…
é engraçado (na falta de uma palavra mais adequada) que, outro dia, eu estava comemorando ter ido ao cinema sozinha pela primeira vez para assistir a pobres criaturas.
não que eu não tivesse esse direito antes, mas demorei a me sentir à vontade para fazer qualquer coisa que poderia ser considerada “de casal”, porque ainda sinto o peso de estar envelhecendo solteira.
mas isso é o de menos aqui hoje, nem vou me aprofundar.
pensando na ausência de liberdade de uma forma mais dura, se posso te dar um conselho é para que assista a pobres criaturas também. vai te incomodar, mas se você já tiver aberto o baú, vai arrancar gostosas (e estranhas) risadas também.
"na minha visão, pobres criaturas é um filme pensado para causar estranheza e, com um humor peculiar, levantar temas profundos acerca da exploração e do controle do corpo feminino pelos outros”.
― essa que vos escreve, eu mesma, lari reis.
mandei essa mensagem para um amigo (que provavelmente vai ler esta edição). chamei-o para conversar a respeito de propósito. o motivo mais bobo era saber que ele também está em uma maratona do oscar, o mais importante era querer o parecer de um homem.
está na sinopse e não é spoiler que o filme tem uma protagonista com corpo de mulher e cérebro de bebê a là frankenstein, cujo intelecto vai se desenvolvendo com o tempo. a "polêmica" está nas cenas de sex0 que, devo dizer, não me geraram incômodo algum.
por que não? porque serviram perfeitamente para mostrar que (muitos) homens sexualizam meninas e que estão perfeitamente de acordo em relativizar isso para exercer sua liberdade sexual em nome de suas "necessidades".
porque serviram para mostrar que, até os dias de hoje, mulheres que escolhem viver sua liberdade sexual da forma como bem entendem são mal-vistas, mal-faladas e mal-quistas. e que tudo isso tem a ver com poder ― deles, sobre nós.
ainda somos, todas, pobres criaturas.
e é por tudo isso que o que mais me orgulha, hoje, é ser mulher. uma mulher que ainda quer ter toda a liberdade e todos os direitos que os meninos tinham quando queria ser como eles. mas que não quer usar o poder que homens têm de forma perversa como muitos fazem.
a todas vocês, um lembrete: não existe feminismo que não seja antirracista.
a todas vocês, muito obrigada.
tem pra hoje (tem bastantes coisas!)
aulas, cria 🎒
um vídeo curto que é uma verdadeira aula da milly lacombe sobre o “caso cuca” e que, para ilustrar tudo que eu disse aqui, recebeu centenas de comentários contrádios daqueles que se beneficial pela dinâmica político-social que dá aos homens poder sobre o corpo das mulheres.
filosofia 🤓
um dos incontáveis textos que abordam a famosa frase de simone de beauvoir, caso te interesse um ponto de partida para entrar em contato com a ideia que eu trouxe e com outras tantas da filósofa francesa e feminista.
dica de quem seguir ❤️
se você entende ou tem o desejo genuíno de entender meu grito mais alto pelas mulheres palestinas hoje, te indico o perfil do Ansar Yawar (infelizmente, só em inglês no insta, mas com conteúdos com "tradução automática" no youtube).
ps: obrigada, laura!
a melhor resenha de pobres criaturas 🎬
mencionei a referência e, justamente por isso, não poderia cometer o erro de deixar na sua mente que pobres criaturas é como um frankenstein proibido para menores🔞, por isso, segue a melhor resenha que li (até agora).
enquete ❓
você toparia pagar para receber a news? não vou transformá-la em um conteúdo 100% pago, mas estou estudando a possibilidade de cobrar R$5 por mês para oferecer algo a mais porque tem gente já interessada em dar essa força.
acabou (ou quase)
não custa lembrar: se você gostou ou sentiu qualquer outra coisa que te deixou com vontade de comentar, me escreve 😄
e se você gostou muito e quiser recomendar para alguém, não pense duas vezes: só vai!
os homens são mesmo muito burros em achar que o mundo é melhor sem liberdade para as mulheres…